O Mergulho Imóvel da Gaivota

estou na rua enxergando os pedestres e os automóveis, através do óculos escuros vão todos assim como eu: também querem esconder a agonia de viver? seus olhos vêem sob a mesma gravidade opressora que os meus? tenho vontade de ligar de um orelhão para minha casa a cobrar e deixar um recado na minha secretária eletrônica que contratei há anos me alarmando de certos perigos, ameaças que agora me atacam e logo vão se esconder, logo que o dia ficar mais claro ou assim que eu voltar a praticar exercícios físicos, mas ela, a secretária, não aceita ligação a cobrar. chega uma hora que esses textos niilistas cansam, mas os sentimentos não reconhecem o desgaste e seguem voluntariosos como são de natureza, sua essência. por que não ficar quieto? por que ela ainda ontem tinha tanta graça e hoje chega a me dar repulsa? fugir é o que me vem à cabeça como fuga mesmo ou disfarçada de qualquer outra coisa suficiente para me enganar, para me fazer crer que o mundo ainda pode ser vivido, que se ser ainda basta. uma ambulância está parada entre os carros que esperam obedientes o sinal verde de uma máquina, não há espaço para ela e suas sirenes agonizantes, seu aparato de urgência inutilizado, birrento como uma criança ignorada pelos pais.