Ilmo. Senhor Delegado da Polícia Doméstica,

venho por meio desta apresentar fundamentada queixa contra a geladeira marca brastemp, modelo duplex, produzida em 1991, cor marrom, capacidade 410 litros, instalada nesta residência. certo é que, como se pode denotar de sua razoavelmente distante origem, ao menos no que diz respeito à vida útil dos seus pares contemporâneos, ela me prestou, por assim dizer, os imperecíveis serviços a que se prestam as geladeiras. ocorre que tal refrigerador vem se utilizando, sem qualquer justificativa empiricamente verificável, ou seja, por meio de termômetros e toda sorte de instrumentos ilibados, uma quantidade absolutamente incompatível com o que se serve a realizar. por certo que, se por um lado é justificável, num espectro comparativo com produtos semelhantes cuja moderna fabricação se submete a regulamentações severas no que tange sua eficiência, é dizer, consumo de energia reduzido em contrapartida de uma prestação de serviço impecável, e sua respeitabilidade ao bem-estar ambiental, a que todos os coevos esforços estão voltados. no entanto, ilustríssimo senhor, sabemos não ser a superior idade motivo escusador frente às leis da nossa república, em regra indiferentes, com razão, às peculiaridades do caso in concretu, o que, não raro, poderia suscitar inadequadas compaixões nos falhos corações humanos, honrados servos das nossas doutas autoridades. não, ilustríssimo senhor, a ré – porque é pacífico a criminosa ora denunciada tornar-se ré -, em verdade, aproveita-se ignominiamente da sua condição de indispensabilidade aliada ao respeito ainda dispensado aos anciães nesta residência, para, a qualquer hora do dia e da noite, pôr seu mecanismo em funcionamento, frisa-se, em proveito próprio e não outro senão o próprio, seja por vexatória personalidade jactanciosa, seja por simples balbúrdia da ordem doméstica, absoluta, no dizer popular, falta do que fazer ou inclusive por algum certo vícios, mas nem por isso irrepreensível. não, ilustríssimo, o ordenamento pátrio não deixará de punir um escravo, porque todos somos fiéis escravos da nossa senhora chamada lei, que, por qualquer motivação, imputa-lhe à alva ordem uma negra mancha de ilegalidade. fato é que a ora denunciada vem repetidamente ignorando as admoestações causadas a este humilde proprietário pelas elevadas dispensas mensais afluídas nas justas faturas de consumo elétrico auferidas pela nossa digníssima companhia de energia. não será mister mencionar o dispositivo legal em cujo preciso gume se encerra tal comportamento, tendo em vista o supremo saber com o qual o ilustríssimo senhor é reconhecidamente imbuído, o que se fará por simples amor, ou mais, pela sublime paixão a que me permito, à letra e ao direito, qual seja, o preceito que trata do furto de energia, submetendo-nos ao artigo 155, parágrafo 3.º, do nosso prestimoso Códice Criminal.