E Essa Escuridão, Quando Chega?

pra quê escovar os dentes, dar descarga, lavar por debaixo das unhas? pra quê, afinal? dizem que alguém me criou, o criador, mas não me dizem, nem ele é macho de aparecer e se impor na minha língua – pra quê: vão me enganando e me jogando de um lado para o outro; isto aqui afinal é uma repartição pública ou um cruzeiro transatlântico? aliás, não entendo a gente que escreve poemas por aí e, além de chamar aquele amontoado de esquisitices e inspirações súbitas de poesia – como se fosse competição de quem se faz o menos compreensivo –, só se dá ao trabalho de apertar a tecla do enter; e é assim: a poesia virou prosa-mais-enter. ainda me expresso mal, não é nem prosa, muito menos mais; tampouco é competição: são todos dóceis. enter, vá lá, como sempre digo. digo, como gostam atualmente, ou melhor, escrevo como digo: entendam-me, nem alguém me explicou alguma coisa direito; ao contrário, tentam me desexplicar tudo e mal-feito: dizem, vejam só, até que A é A, como se A fosse sempre A. enfim, sejam A e A o que for, ainda não me responderam, nem tampouco eu consegui me responder a mim mesmo: pra quê? pra quê? pra quê ao infinito: assim, quem sabe, fica tudo explicado, ou dito, ou não-dito, que é melhor; pra quê todas aquelas flores, os presentes arranjados, pra quê tudo isso se na primeira escapulida ela me recebe chorando e empunhando uma vassoura? eu também estou chorando, é o que tento convencê-la, e ela acha que chorar não vai além de lágrimas, vive sob a ditadura da expressão: não se pode ser se não se parece sendo, nem que seja por meio dos cabos transatlânticos, o que é outra vez melhor: parecer-se lá do outro lado é parecer-se mais. desde que nasci venho chorando, em berros piores que aquele pequeno da pizzaria, lembra? mas gemo escondido: piores e cegos são os que choram para todos, os que fazem gritaria, esses são os cachorros que só latem, os lobos que só uivam: não os vejo nem os temo – os humilhados nunca são temidos. eu, não me entrego: não grito. fui à europa e dei meu baile: mijei na salona dos espelhos, que era para eu me ver bem e ver na esguelha o terror no rosto dos branquelos, como se estivessem diante do açoite anacrônico de um escravo: olha lá, meu filho, a beleza do jardinzinho de versalhes! beleza é isto, sente o cheiro, minha dona, amarelinho como a camisa da seleção, disse por cima bilíngüe, para dar lambuja aos metidos a desentendidos: sempre há essas corujas que fingem dormir o dia para contarem o dinheiro no regaço da noite – aníbais-sem-braço. nos estados unidos, pichei alcorão, da direita para a esquerda, naquele livro que a estátua nunca leu: quando baixar os olhos, vai abaixar a tocha – que nunca esteve acesa – e deixar de se intitular o símbolo máximo da liberdade – que não existe, a não ser nas lojas de departamentos e agora pela internet, por variados preços e fretes os mais rápidos. se então o criador se absteve de me dizer: vou espalhar minhas urinas e tintas por onde for preciso para impor minha marca: melhor assim que sujar as digitais de tinta preta, assinar um relatório de mentira, um livro de verdade ou assassinatos em série: todos autômatos; e como não posso mijar aqui, já que no meu mijo não se contaria o número de caracteres, lhes dou uma poesia assim, do jeito que amam, com alguma rima e repleta de enters e esquisitices:

sei

eu